Nota do Centro Acadêmico 22 de agosto frente ao Manual veiculado no Curso de Direito – UFPR
O início do ano acadêmico na UFPR, durante a Semana do Calouro da Faculdade de Direito, foi marcado pela distribuição de um Manual de recepção aos calouros (Manual de Sobrevivência) intitulado “Como cagar em cima dos humanos em 12 lições.” Esse manual, que está em circulação desde sua distribuição pelo PDU – Partido Democrático Universitário – preconiza determinadas lições de sobrevivência para que os calouros alcancem sucesso frente ao árduo ambiente acadêmico da Universidade.
O” ilustre” manual, ao trazer conselhos para eventuais problemas sentimentais dos calouros, proporcionou uma nova interpretação da posição da mulher à luz do Código Civil brasileiro.Segundo o manual: “(…) No primeiro ano você é calouro de todos os anos, é o centro das atenções da faculdade (na verdade o “segundo centro”, pois o primeiro são as calouras)(…).” (p.1) “A garota foi com você ao quarto, prometendo mundos e fundos (principalmente fundos), mas o máximo que você conseguiu foi um beijo: Código Civil, art.233-obrigação de dar: ‘A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados (…)'”. “Ela prometeu e não cumpriu. Disse ‘vamos com calma’: art. 252,§ 1º Código Civil: ‘Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra’. Ela vai ter que dar tudo de uma vez!” (p.7)
Observamos com esse tipo de acontecimento que as posições buscadas pelas mulheres, passo a passo, na sociedade pós-moderna estão, infelizmente, sendo repetidamente atacadas. Tais “brincadeiras” de humor sórdido demonstram o perpetuamento da opressão contra a mulher, e vão de encontro com todas as conquistas e direitos alcançados, após muitos anos de luta. Principalmente,o uso do corpo das mulheres está sempre conectado ao prazer servil, controladoe ajustado às vontades do homem.
Não se trata de uma questão de “queima de sutiãs”, como querem dizer os inertes, ou o que ocorreu na Universidade do Paraná foi “apenas uma brincadeira”, pois é necessário salientar que dentre “apenas” brincadeiras, pode estar velado o maior dos preconceitos. Aliás, tipo de brincadeira muito fácil de ser feita, pois pura e simplesmente menospreza e oprime o outro, não exige sofisticação, nem grande intelecto. O humor, questionável, não pode servir para excluir os autores da chamada “brincadeirinha” da responsabilidade pelas ideias que difundem. Até mesmos nestas é preciso um mínimo de criticidade, consciência social e política.
O texto do manual esconde, e não muito bem, relevante conteúdo discriminatório em relação às mulheres, que ainda persiste em nossas Universidades e não pode ser, de maneira nenhuma, considerada brincadeira, e sim, mais uma dentre de tantas outras,maneiras de disseminar um discurso de desprezo e alto grau de preconceito.. E,não só é reprovável do ponto de vista social, mas também é sancionado pelo nosso ordenamento jurídico.
As políticas públicas brasileiras estão cada vez mais norteadas por princípios universais de equidade entre as pessoas, igualdade e respeito à diversidade, autonomia das mulheres, universalidade das políticas públicas, justiça, transparência, participação e controle social. Com mais democracia e pluralidade podemos enfrentar os problemas de desigualdade de gênero. Não podemos fechar os olhos para a problemática do tráfico internacional de mulheres e crianças, da prostituição infantil, do abuso sexual de mulheres, jovens, crianças e para o reiterado machismo (ou sexismo) que nos vemos cercadas todos os dias, tornando-se muitas vezes, comum e até despercebido.
Vivemos em um mundo que a ingenuidade nesses tipos de prática não podem ser utilizadas como premissa maior. As mulheres, infelizmente, são atrizes de uma peça que costuma privilegiar os homens. Por tempos e tempos foram subjugada se e o papel era naturalmente reduzido à imagem da mulher resiliente, pronta para ser objeto de barganha de seu pai, seus irmãos e posteriormente seu marido.
Neste momento imaginamos o que pensariam as mulheres que consagraram o primeiro voto feminino no Brasil, e na América Latina, em 25 de novembro de 1927, no Rio Grande do Norte. Ainda que as quinze mulheres votantes tivessem sido pioneiras em seus atos, seus votos foram anulados no ano seguinte. O que pensaria a primeira prefeita da História do Brasil, Dona Alzira Soriano de Souza, no município de Lages, Rio Grande do Norte? E a professora Deolinda Daltro, fundadora do Partido Republicano Feminino em1910, que em 1917, auge da República Oligárquica, liderou uma passeata exigindo a extensão do voto às mulheres. Tantos anos passados,inúmeras conquistas, mas ainda mostra-se necessário lutar pelo fim desta prática cultural tão perpetuada na sociedade, que se difunde veladamente em inúmeras atitudes que se tornam comuns em nosso dia a dia…flyers de festas, propagandas na TV, piadas em bar, trotes e músicas de universidades, fatos que deixam mais evidente que ainda há sim, discriminação de gênero na sociedade e nossa função como estudantes, é lutar para que toda forma de preconceito seja denunciada e extinta!
por: Centro Acadêmico 22 de Agosto